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Aspectos práticos da adoção de filhos

Por Cecília BarrosAdvogada do Direito das Famílias e Sucessões

Quem adota escolhe, mas também é escolhido. Segundo o doutrinador e advogado Rodrigo da Cunha Pereira, a verdadeira paternidade ou maternidade é a adotiva: porque se a pessoa não adotar, mesmo tratando-se do próprio filho biológico, jamais será realmente pai ou mãe dele. O cuidado é uma questão de escolha.

Embora regido pelo princípio da defesa do melhor interesse da criança e do adolescente, o procedimento da adoção no Brasil é necessariamente judicial e pode ser bem desafiante ás famílias. Para os adotantes ainda é um processo burocrático e seletivo, e pode ser um teste para sua perseverança, sendo, certamente, um desafio ao adotado. Considerando-o do início ao fim, o procedimento pode ser chamado de um híbrido que condensa processo administrativo e judicial.

1. Quais são os requisitos para adotar e qual a lei aplicável?

2. Co mo é o passo a passo do processo?

3. Importantes aspectos processuais e materiais

4. O padrasto pode adotar o enteado?

5. O que é adoção à brasileira?

6. É possível aos pais escolherem quem irá adotar seu filho?

7. É possível adotra-se uma criança ainda em gestação?

8. Adoção Internacional

9. E se o adotante morrer durante o processo de adoção?

10. Par adotar é preciso contratar advogado?

Para dar início ao processo, é necessário que os pretendentes realizem cadastro e apresentem documentos perante a Vara de Infância e Juventude mais próxima de sua residência, que participem de cursos e avaliações psicossociais e indiquem o perfil da criança/adolescente que pretendem adotar, tudo visando à habilitação no Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA).

As crianças e adolescentes albergados/institucionalizados ou na companhia de famílias de acolhimento constam do mesmo cadastro. Com o cruzamento dos dados, verifica-se a situação familiar jurídica do adotando e, consultadas as partes, inicia-se a convivência. Após período de convívio positivo, poderá ser deferido pedido de adoção.

Quais os requisitos para adotar e qual a lei aplicável?

Se o adotando contar com até 18 anos, todo o processo será regido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90), caso contrário, a adoção seguirá as regras do Código Civil (Lei 10.406/02), à exceção se o adotando já estiver sob prévia guarda ou tutela dos adotantes antes de haver completado a maioridade.

Deve haver, em regra, diferença de 16 anos entre o adotado e o adotante, que deverá ter 18 anos completos ao início do requerimento de habilitação.
É requisito para iniciar-se o procedimento de adoção de criança ou adolescente, estar (em) o (s) pretendente (s) inscrito (s) no Cadastro Nacional da Adoção do CNJ, hoje unificado no SNA – Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento.

A partir de um requerimento e da entrega de documentos nas Varas da Infância e Juventude atuantes na circunscrição de residência dos pretendentes, inicia-se os procedimentos para a habilitação do pretendente.
Também é requisito para adoção da criança ou adolescente, o consentimento dos pais biológicos ou outro representante legal, uma vez que a adoção quebra os vínculos biológicos à exceção dos impedimentos matrimoniais.

Essa anuência poderá ser suprida judicialmente no caso de pais desconhecidos ou destituídos do poder familiar.

Como é o passo a passo do processo?

De início, o pretendente deve preencher requerimento para credenciamento perante Vara de Infância e apresentar documentos que variam de acordo com as exigências de cada localidade, sendo, em regra, os seguintes:

a. Carteira de Identidade (RG);
b. Cartão de Identificação do Contribuinte (CIC/CPF);
c. Certidão de Casamento (de expedição recente);
d. Certidão de Nascimento, se solteiro (de expedição recente);
e. Comprovante de residência (conta de água, luz, telefone, energia elétrica, correspondência bancária ou de cartão de crédito, etc.);
f. Comprovante de rendimentos, ou declaração equivalente (holerite, declaração do imposto de renda, declaração do empregador em papel timbrado ou com firma reconhecida, etc.);
g. Atestado ou declaração médica de sanidade física e mental;
h. Fotografias do(s) pretendente(s) e de sua residência (parte externa e interna).
i. Certidões negativas criminais.

Estando o candidato devidamente cadastrado e tendo sido o requerimento para habilitação encaminhado, o pretendente realizará cursos e estudos técnicos obrigatórios realizados pelo Serviço Social e de Psicologia atrelado à Vara da Infância e da Juventude.

Nesta etapa o candidato define o perfil da criança/adolescente que pretende adotar, informando dados como sexo, se aceita adotar irmãos, a faixa etária, condições de saúde, estado de origem, etc.

Com todos os resultados e informações pertinentes, o processo é encaminhado ao Ministério Público para que ofereça parecer antes da decisão do juiz, que poderá ser de incluir ou não o candidato no cadastro do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento.

Em sendo a sentença procedente, que consistirá, basicamente, em um certificado de habilitação com validade de dois anos, inserindo o candidato, seus dados e preferências na lista de espera de adoção, em ordem cronológica.

O estudo psicossocial será confrontado com o cadastro de crianças/adolescentes disponíveis à adoção, e estando o candidato apto e havendo adotando com o perfil requerido disponível, eles são postos em contato. Depois de uma apreciação favorável da criança indicada pelos profissionais da Vara, o pretendente poderá encontrar-se com ela na própria Vara, no abrigo ou onde estiver, conforme determinação judicial.

Inicia-se, assim, o estágio de convivência, que terá a duração de acordo com a avaliação judicial.

Ao término do referido estágio, dispensável em caso de prévia guarda (legal) do adotando e dispensável audiência de instrução e julgamento caso não seja necessário destituição de poder familiar, é prolatada sentença, e após seu trânsito em julgado, expedido ofício ao cartório de registro civil para que se proceda o novo registro de nascimento com a filiação.

É importante registrar que existem muitas crianças e adolescentes disponíveis à adoção, mas, a esmagadora maioria é fora do padrão ou idades mais procuradas. Estas crianças e adolescentes, quase invisíveis à sociedade e ao sistema correr risco de nunca serem adotados. Então, quanto menos restrições o adotante haja imposto em relação à idade, saúde do adotando, e, ainda, se aceitar grupo de irmãos, mais rápido ele tende a encontrar o novo membro da família. Há previsão legal de preferência no cadastro a pessoas com interesse em adotar crianças ou adolescentes com deficiência, com doença crônica ou com necessidades especiais de saúde ou, ainda, grupos de irmãos.

Importantes aspectos processuais e materiais 

É necessário considerar que o pedido para habilitação à adoção resulta em uma sentença judicial. Na hipótese de improcedência do pedido cabe recurso de apelação ao Tribunal de Justiça. A decisão que constitui a adoção também se consubstancia em uma sentença.

Embora o Código de Processo Civil de 2015 preveja a contagem de prazos processuais em dias úteis e prazo em dobro à Fazenda Pública, à Defensoria e ao Ministério Público, importa ressaltar que os aspectos processuais da adoção são todos são regidos pelo ECA, que determina a contagem de prazos em dias corridos e vedação de prazo em dobro. O prazo também é diferido, de modo que a apelação deverá ser interposta em 10 (dez) dias corridos, devendo o interessado atentar-se quanto a isto.

A sentença constitutiva da adoção faz coisa julgada material, isto é, torna a adoção irreversível, de modo que qualquer tentativa de devolução da criança configura em crime de abandono de incapaz. Muitas famílias, e até mesmo o adotando podem sentir a necessidade de alteração do prenome do filho. Registre-se que é vedada a adoção de criança ou adolescente por seus irmãos ou avós. Também não pode o tutor ou curador adotar o tutelado ou curatelado enquanto não julgadas boas as contas da administração de seus bens. Contudo, inexiste vedação para adoção entre tios e sobrinhos.

Existem vários tipos de adoção, que podem, inclusive, flexibilizar a exigência do prévio cadastro no SNA.

O padrasto pode adotar o enteado?

É possível a adoção do filho exclusivo do cônjuge ou companheiro. A adoção unilateral ocorre dentro de uma relação familiar em que preexista um vínculo biológico e o adotante queira se somar ao ascendente biológico nos cuidados com a criança.

O STJ já reconheceu a possibilidade, dentro de uma união estável homoafetiva, de adoção unilateral de criança concebida por inseminação heteróloga, para que ambas as companheiras passem a compartilhar status de mães da infante.

O Superior Tribunal também já consolidou jurisprudência no sentido de que é possível a adoção sem o consentimento de um dos pais quando a situação fática consolidada no tempo for favorável ao adotando. O entendimento foi aplicado pela Corte Especial ao homologar sentença estrangeira de adoção baseada no abandono pelo pai de filho que se encontrava por anos convivendo em harmonia com padrasto.

O que é adoção à brasileira?

A chamada adoção à brasileira consiste no registro de filho alheio como próprio e insere-se no contexto da filiação socioafetiva.

Os motivos que levam alguém a incorrer em ilícito civil e penal procedendo desta forma são os mais variados. Os mais nobres, entretanto, são aqueles que põem em mais alta conta os interesses do menor que não será encaminhado a abrigos nem será entregue a família substituta. Os pais “registrais” incorrem em conduta ilegal movidos pelo mais profundo amor.

A jurisprudência, hoje, tem reconhecido que mesmo inicialmente constituído de forma ilegal, o vínculo socioafetivo justifica a mitigação do rigor dos registro públicos e até impedindo que os pais biológicos retomem a criança se não houverem consentido legalmente com a adoção e se não houverem sido destituídos do poder familiar.

A adoção à brasileira também ocorre unilateralmente, isto é, em hipótese que um dos cônjuges ou companheiros registra o filho do outro como se seu filho fosse.Aquele que proceder nesta conduta (registrar filho alheio com o próprio) e depois vir a arrepender-se, não é autorizado a desconstituir a adoção após a formação de vínculo sócioafetivo, conforme já decidiu o STJ.

É possível aos pais escolherem quem irá adotar seu filho?

A adoção pronta, ou direta ou adoção intuito personae é aquela em que os pais biológicos manifestam expressamente, perante a autoridade judicial, para quem desejam entregar seu filho. Ocorre que este tipo de adoção não está expressamente previsto em lei e enfrenta preconceitos, pois muitos entendem que este tipo de adoção viola os procedimentos da Lei de Adoção, vulnera o SNA e poderia favorecer trocas econômicas.

É necessário que se avalie caso a caso, com foco no melhor interesse da criança, vez que, considerando-se que os pais podem escolher tutor aos filhos em caso de sua morte, não haveria razão para que, em vida fossem impossibilitados de decidir quem os substituiria no cuidado com a prole.

Ademais, muitas vezes quando o caso chega no judiciário, já há uma situação de parentalidade socioafetiva consolidada, de modo que a tendência é pela preservação dos laços afetivos já existentes entre a criança e os adotantes, privilegiando-se o melhor interesse do infante na hipótese de comprovação mediante análise técnica e intervenção do Ministério Público. Ademais, o Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) possui o Enunciado 13 que afirma: "Na hipótese de adoção intuitu personae de criança e de adolescente, os pais biológicos podem eleger os adotantes."

É possível adotar-se uma criança ainda em gestação?

Esta é uma questão controversa, vez que o ECA foi omisso quanto a esta possibilidade. Existe corrente doutrinária favorável à adoção do nascituro, calcada no fato de que o ordenamento jurídico reconhece a tutela jurídica de seus interesses, vez que o nascituro pode receber doações, ter sua a paternidade reconhecida, receber herança, pode ser autor de ação de reconhecimento de paternidade e alimentos.
A mesma doutrina se aplicaria à adoção de embriões.

Adoção Internacional

Ocorre quando o adotante tem seu domicílio em um país e o adotado em outro. A capacidade para adotar e os efeitos da adoção deverão ser apreciados pela lei do domicílio do adotante, e a capacidade para ser adotado, pela legislação do domicílio do adotando.

Esta modalidade é regulamentada pela Convenção de Haia relativa à proteção das crianças e o intermédio entre os adotandos e adotantes deve ser realizado por organismo internacional previamente cadastrado e autorizado perante as autoridades brasileiras.

É possível a adoção internacional e de criança estrangeira por brasileiro devido ao Brasil ser signatário da Convenção de Haia, que considera que a adoção internacional pode apresentar a vantagem de dar uma família permanente à criança para quem não se possa encontrar uma família adequada em seu país de origem.

A Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, no estabelecimento das regras para este tipo de adoção, buscou prever medidas para garantir que as adoções internacionais sejam feitas no interesse superior da criança e com respeito a seus direitos fundamentais, assim como para prevenir o sequestro, a venda ou o tráfico de crianças.

Na adoção de criança estrangeira, o processo terá o curso determinado pela lei do local de nascimento da criança, o Estado de origem, portanto, caberá seguir todo o trâmite da legislação deste país.

O Brasil, considerando que os solicitantes estão habilitados e aptos para adotar, Estado de acolhida, preparará um relatório que contenha informações sobre a identidade, a capacidade jurídica e adequação dos solicitantes para adotar, sua situação pessoal, familiar e médica, seu meio social, sua aptidão para assumir uma adoção internacional, assim como sobre as crianças de que eles estariam em condições de adotar e enviarão Estado de origem.

O reconhecimento de uma adoção só poderá ser recusado em um Estado Contratante se a adoção for manifestamente contrária à sua ordem pública, levando em consideração o interesse superior da criança.

O reconhecimento da adoção implicará o reconhecimento do vínculo de filiação entre a criança e seus pais adotivos, da responsabilidade dos pais adotivos a respeito da criança e da ruptura do vínculo de filiação preexistente entre a criança e família, se a adoção produzir este efeito no Estado de origem.

E se o adotante morrer durante o processo de adoção?

Para o STJ, a adoção póstuma pode ser concedida desde que a pessoa falecida tenha demonstrado, em vida, inequívoca vontade de adotar e laço de afetividade com a criança. Em um julgamento ocorrido em 2007 na Terceira Turma, os ministros aplicaram esse entendimento e não atenderam ao pedido das irmãs de um militar que contestavam a decisão da justiça fluminense que admitira o direito à adoção póstuma de uma criança de sete anos.

As irmãs alegaram que o militar não demonstrou em vida a intenção de adotar a menina e que por ser “solteiro, sistemático e agressivo”, além de ter idade avançada (71 anos), o falecido não seria a pessoa indicada para adotar uma criança, oferecendo-lhe um ambiente familiar adequado.

Segundo a relatora do caso, ministra Nancy Andrighi, o tribunal fluminense concluiu, de maneira inequívoca, que houve a manifestação, em vida, da vontade de adotar a criança, tanto que o militar chegou a iniciar o processo de adoção. “O magistrado deve fazer prevalecer os interesses do menor sobre qualquer outro bem ou interesse protegido juridicamente”, assinalou a ministra.

Para adotar é preciso contratar advogado?

Para iniciar o procedimento não é indispensável advogado, embora seja muito útil sua atuação desde o encaminhamento da documentação. O profissional assegurará conforto e segurança ao (s) adotante (s), que terão a garantia da observância do devido processo legal e da higidez de todo o processo. A atuação do advogado deverá imprimir maior agilidade aos procedimentos, diminuindo o tempo de espera da família pelo (s) novo (s) membros.

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¹Direito das Famílias, 2020.

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